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domingo, 2 de setembro de 2012

LÓGICA DE BASE

Não sei se toda gente é assim, mas há, com certeza, uma boa parte delas que tem a incômoda necessidade de atuar de maneira coerente com uma imagem socialmente construída. Me explico. Há que se desempenhar um papel, para essas pessoas. Há que se ter uma base lógica, literária num sentido bem lato, um "lugar semântico-social" que sustente seu comportamento, suas aspirações, hábitos, rotina, contradições. Para ser claro, tomemos um exemplo:

Fulano tencionava prestar Economia. Ele se via fazendo a faculdade, depois mestrado e doutorado, e empregando-se nalguma grande universidade, produzindo teorias que ajudassem a humanidade a viver mais racionalmente, a superar a animalidade vigente. Ele precisava dessas qualidades; quando escolhia um filme no cinema, tentava encaixá-lo no perfil específico do cientista-herói; quando comprava um CD, idem. Esse era o seu "lugar semântico-social".

Pois bem. Tenho para mim que meu lugar semântico-social sempre foi o do artista, ou, mais especificamente, o do escritor. Se não fosse demasiada pretensão, arriscaria dizer que fosse específica, fosse geral, minha inclinação sempre foi a de tornar-me, pela via da arte e/ou da literatura, sábio.
Prestei, assim, Letras, e para escolher a língua estrangeira que estudaria, me bati com um sem-número de lugares semântico-social-literários, em busca de algo com que me identificasse, algo que preenchesse o espaço cercado pela moldura um tanto diáfana de minhas aspirações: poderia escolher Inglês, e me deixar influenciar por Joyce, ser um experimentalista; poderia escolher Francês, e adotar um estilo proustiano, e escrever memórias inventadas em dezoito volumes; poderia, enfim, escolher linguística, e combinar arte e ciência, indo muito além do que foi Saussure (ambição estimulada pelo engajamento, em dias atuais, de N. Chomsky).
O que quero ressaltar é que a escolha da faculdade, no meu caso, estava atrelada a uma expectativa de papéis a desempenhar, e eu tinha a tendência de dar à minha vida, não só à profissional, uma coerência que tinha por base o trabalho, the leading role. A imagem socialmente construída do profissional da área a escolher - naturalmente, um estereótipo-piada - era, para meus ingênuos, talvez estúpidos, vinte anos de idade, o eixo da existência futura.
A estupidez prosseguiu até os trinta e cinco anos, dois meses e vinte e oito dias (eu tenho trinta e cinco, dois, vinte e nove), até eu perceber, como se vê tardiamente, que o que dá coerência à vida individual é absolutamente nada. Uns traumas, uns sonhos, umas manias, umas repetições... Tudo passível de mudança, com exceção do que não foi feito por nós, mas sim pela vida (isso só ela mesma muda).
Assim, me formei em Português, e mesmo gostando de Fernando Pessoa, minha poesia é bem diferente da dele (a minha é superior), ou da de Drummond (superior...), de Bandeira (superior...), etc. (superior). Meu papel inexiste, e eu navego na desimportância de ser autêntico: original, na medida do possível.
Bom, tentarei ser coerente, agora que descobri isso.

   

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