Pesquisar este blog

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

DA ANGÚSTIA

Falei aqui, na primeira crônica, em angústia. Coloquei-a como um dos elementos necessários para ser escritor. Mas o que é angústia? E por que ela é necessária para escrever?
Comecemos respondendo à primeira pergunta.
Jean-Paul Sartre, em O existencialismo é um humanismo, define angústia, grosso modo, como a dor de ter de escolher. Escolher implica responsabilidade sobre o que se escolhe, e implica também perder algo, pois toda escolha é uma perda, toda escolha, necessariamente, deixa algo de lado. Não saber que rumo tomar (assim como dever tomar certo rumo, mas não querê-lo), é estar imerso em angústia, a angústia sartreana.
Já o senso-comum parece estabelecer angústia como uma antecipação, no âmbito do imaginário, de algo ruim, ou apenas difícil, que está para acontecer. Estamos angustiados quando temos, por exemplo, uma prova de vestibular, e ficamos, então, inquietos, sem conseguir dormir, querendo que ela chegue logo. Também é angústia um seu oposto: por exemplo, no caso de uma cirurgia da qual se tem medo, e não se quer que chegue nunca; a inquietação, se não é a mesma, é muitíssimo parecida.
Tomando esses dois conceitos como balizas, podemos, aqui, ensaiar uma definição para a angústia do escritor. Será ela diferente dessas outras? Creio que sim. A angústia do escritor, aquela que faz um escritor, é um volume no estômago, é um tipo de resignação, de calma metafísica, frente ao sofrimento acumulado, e ao que se sabe ainda por vir; é um mergulho no humano, uma decisão tomada com plena consciência da implicação, que ela tem, de se ver afastado, apartado, numa palavra: marginal. Os conceitos de angústia do senso-comum, e de Sartre, embora diferentes desse que acabo de propor, são também elementos do escrever: o primeiro, a inquietação-antecipação, entra na forma de uma necessidade de "preencher papel" (no dizer de Drummond), de escrever, de representar, e, mais especificamente, como resultado de uma antecipação da morte e do esquecimento; o escritor escreve por querer salvar o seu quinhão de vida (experimentado ou apenas imaginado, deduzido) desse complexo morte-esquecimento; o segundo, a dor de ter de escolher, participa no escrever integralmente como a dor de não poder representar tudo, de ter de escolher o que escrever, escolha que implica uma espécie de infanticídio:  os eventos, deformados em ideias, são atirados de um penhasco ainda impúberes, inexplorados, entregamo-los, nós escritores, para que sejam engolidos pelo esquecimento.
À segunda pergunta.
Num primeiro momento, acho a angústia necessária para escrever pensando mais especificamente no conceito que propus, sem recorrer ao conceito sartreano, ou ao do senso-comum. Falo desse peso no estômago. Ora, ele é imprescindível, pois é o resultado de se ter vivido, e é a fonte de uma visão, necessariamente particular (mas que deverá, necessariamente, ser tornada universal), da vida humana. Ele deve, contudo, ser acompanhado da reflexão. Peso sem reflexão é apenas sofrimento. Peso com reflexão, já é angústia de escrever. Num segundo momento, decisivo na escolha do caminho do escritor, entra o conceito do senso-comum: a necessidade de "preencher papel". A consciência de se ter algo nas mãos, algo que precisa ser preservado, é o grande motivador do escrever, e uma forma de angústia. Num terceiro e último momento, desempenha, então, o seu papel a angústia sartreana: é necessário escolher, recusar, abandonar, eventos e ideias que geralmente nos são caros.
Enfim, releio o que escrevi, e vejo que faltam enormidades a serem ditas. Mas não nesta ocasião. Ela é um começo. É o caso de dizer: felizmente.